terça-feira, 14 de agosto de 2012

Falar de touros não é o mesmo que entrar na arena


LEANDRO GUILHEIRO
Olá,
Primeiro de tudo, gostaria de agradecer muito a todos que acompanham o meu blog há quase um ano! Foi muito bom dividir com vocês cada semana de treinamento e cada dia de vivência dos Jogos Olímpicos. Foi uma experiência única e que me aproximou muito de todos vocês!
Os Jogos finalmente terminaram e junto com eles foi-se a minha última noite de tristeza. Daqui para frente, meus olhos se voltam para os próximos mil quatrocentos e cinquenta e três dias restantes até o início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Londres está definitivamente no passado.
Esta edição olímpica mostrou, mais uma vez, algo que não é surpresa para ninguém (a não ser para aqueles que não sabem coisa alguma de esporte): em uma competição como esta, tudo pode acontecer.
Nenhum atleta chega aos Jogos gritando aos quatro ventos: “sou favorito”. Tudo o que ele faz é treinar muito para vencer as competições que aparecem em seu caminho durante o ciclo de quatro anos. Caso ele tenha bons resultados, é feita uma leitura simplória e logo o atleta é rotulado como favorito… pelos outros! Quem já esteve dentro de uma competição sabe que TODOS que estão lá são favoritos, ainda mais em determinadas modalidades que são repletas de variáveis. Como poucas pessoas se interessam em acompanhar os quatro anos de um atleta olímpico, impossível pedir que a maioria entenda as particularidades de cada esporte.
O judô em Londres teve quatorze líderes do ranking mundial. Somente três sagraram-se campeões olímpicos. No caso das sete categorias masculinas, quatro atletas (mais da metade), saíram do torneio sem medalhas. Dois deles perderam logo no primeiro combate. Aliás, nenhum atleta campeão olímpico em Pequim, há quatro anos, saiu com o ouro em Londres. Vale lembrar que entre os derrotados estavam japoneses, russos, coreanos, chineses… todos eles tão conhecidos pela sua “frieza” ao competir.
Todos nós temos opiniões. Está provado cientificamente que despendemos mais energia do nosso cérebro para não julgar do que para sentenciar… questão de sobrevivência da espécie. “Especialistas” de plantão, contratados para dar opiniões, por mais que estejam afastados do esporte internacional de alto-rendimento, apontam o dedo: “faltou ritmo de competição, treino é treino, jogo é jogo”. Bom, só faltou ele ver que teve campeão olímpico este ano que competiu bem menos do que eu. Existe uma regra para isso?
Outros falaram da questão psicológica. Nunca estive tão equilibrado mentalmente em uma competição olímpica, até porque treinei esta área ao lado de um profissional, como em Pequim. Prova da minha frieza foi conseguir controlar todos os meus sentimentos logo após ser eliminado dos Jogos e dar entrevistas, ali mesmo, na zona mista. Não se fica descontrolado durante um evento desses e depois, logo após a derrota, torna-se uma pedra de gelo para responder aos profissionais que ali estão trabalhando. Até porque quem sente a pressão não passa da primeira luta.
Em geral, algumas pessoas tem reações emocionais, especialmente aqueles que sabem pouco ou nada de esportes. Comparam o desempenho dos atletas a comida ou a uma cor, o que é muito fácil de se fazer quando se está comendo pipoca e vestindo um pijama amarelo enquanto assistem aos Jogos pela televisão. Se uma medalha que veio inesperadamente para o Brasil é por mérito do atleta que a conquistou, por que a derrota brasileira não pode ser por mérito do adversário? Entre todos os competidores que lá estão muito bem preparados, só três ou quatro deles ganham medalhas. Imagina se todos nós ofendêssemos cada médico que perde um paciente, advogado que perde uma causa, concursando que é reprovado em uma prova e assim por diante? Já pensaram em estar perto de realizarem um sonho que tanto trabalharam e logo após ele escorregar pelas suas mãos ainda ser duramente criticado?
Nestes últimos doze dias, vivi toda a tristeza inerente aos Jogos Olímpicos de Londres. Não fugi nem por um segundo. Vi tudo, li cada linha, derramei cada lágrima que tinha para chorar e sofri calado. No entanto, o meu período de luto chegou ao fim. Todo este sentimento sombrio está se tornando uma força gigantesca que anseia por luta. E é com este espírito que lutarei pelos próximos quatro anos da minha vida.
Ainda em Londres encontrei com Aurélio Miguel, o maior judoca que tivemos no Brasil. As palavras dele foram simples, algo mais ou menos assim: “Puxa, foi uma pena! Dava para ver que você estava bem, rápido, solto! Tinha tudo para se consagrar aqui com as três medalhas, assim como o Tiago”. Depois disso, ele deu sua opinião sobre algumas questões táticas e da regra, motivos estes que na opinião dele me fizeram ser derrotado. Em um determinado momento, ele parou e disse: “Bom, falar daqui de fora é muito fácil, eu sei que lá dentro na hora de tomar as decisões é muito difícil! De qualquer forma, já passei por isso! Sei como é vir aos Jogos como favorito e perder. Mas também sei que quatro anos depois ganhei minha outra medalha, praticamente com a idade que você terá no Rio! Levanta a cabeça e vamos em frente que você tem muito judô para isso!”
Ele sabe destas coisas porque as viveu. Depois do ouro em Seul, Aurélio foi sétimo em Barcelona quatro anos depois. Depois disso, em Atlanta, ele conquistou a sua segunda medalha olímpica. E como bom descendente de espanhol, ele também deve conhecer um velho provérbio que diz:
“Falar de touros não é o mesmo que entrar na arena”.
Obrigado por tudo, sempre!
Abraços
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